quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Antropólogo, os indígenas e a Estrada

Desde a década de 1950 que a cidade de Barra do Corda recebe a visita “passageira” do Etnólogo Dr. William Henry Crocker, o mesmo é reconhecido internacionalmente como uma das figuras mais importantes do meio antropológico mundial, com seus mais de 50 anos de pesquisas entre os Ramkokamekrá e Apanjekrá.


O mesmo se estabeleceu entre os Canela no ano de 1957 com o intuito inicial de realizar um comparativo de tempo desde a partida de Curt Nimuendajú entre os Canela (Ramkokamekrá), referentes aos 21 anos entre a partida de Nimuendajú e o ano de 1957.

Crocker permaneceu em campo por um longo período da primeira vez que esteve entre os Canela (Ramkokamekrá), recolheu dados que ainda hoje são usados por estudantes das varias graduações e teve também seus períodos de turbulência em campo, quando por uma vez teve problemas com agentes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e teve de deixar suas pesquisas de campo por quase mais de dez anos.

A cidade de Barra do Corda nunca entendeu realmente o que o americano, alemão, gringo, fazia ou faz por aqui, muito até lhe conhecem como “Guilherme”, por não conseguirem pronunciar o nome Crocker ou mesmo William.

Hoje, com as novas tecnologias, internet e outras formas de comunicação, o trabalho do antropólogo é mais conhecido e difundido, mais como informa uma amiga minha: “antropólogo procura ossos!”. Em partes essa informação é real e verdadeira, realmente procuramos por preciosidades e mecanismos que não estão à mostra para todos, principalmente quando se trata de estranhar o que é cotidiano, nesse caso, Dr. Crocker no momento é um elemento exótico, em uma cidade que aos poucos se informa e que começa a deixar de confundir o papel do antropólogo e suas ações aplicadas.

O imaginário “do povo da Barra do Corda” frente a esse antropólogo vai das coisas mais mirabolantes até a demonstração de interesses financeiros por parte de serviços que o mesmo possa vir a solicitar, não sabem todos que o mesmo e a categoria que ele se enquadra – antropólogo – não exige coisas mirabolantes e gosta de espaço para pensar e refletir sobre as ações em campo.

Atualmente quando estou na rua, caminhando, muitas pessoas nos param e perguntam se sabemos quando o mesmo irá chegar, se já chegou e se ele precisará disso ou daquilo, respondo que não sei e que nem sabia se ele iria chegar, fico com vontade de dizer aos mesmos que antropólogo gosta de trabalhar “em paz”, que nosso trabalho é entender determinadas realidades e que só conseguimos tal feito, se estivermos concentrados ou mesmo em uma situação favorável de entendermos determinadas realidades, como por exemplo, comunidades tradicionais, povos indígenas e outras.

A permanência e persistência da pesquisa de campo do Dr. Crocker frente aos Canela se vale de vários fatores, entre eles estão a manutenção de um corpo de informantes (diaristas) que gravam e escrevem para ele sobre vários temas, entre eles, a vida cotidiana, questões sociais, particularidades familiares e temas variados sobre o entendimento desses indígenas frente as políticas públicas que permeiam o imaginário dos Canelas.

São mais de cinqüenta anos de pesquisas, e dados acumulados, sobre uma sociedade que tem 197 anos de “relações” entre indígenas e não-indígenas e poucos anos de contato com a categoria pesquisador e antropólogo, estabelecendo essa primeira relação com Curt Nimuendajú, no ano de 1929-1936, tendo como principal importância a valorização dos modos, costumes e cultura desse povo.

Dessa forma, acho ousadia tentar avaliar qual será a importância de Crocker para a antropologia e para os Canela, assim como Nimuendajú fez, considerando suas ações e escola de atuação.



Crocker não é apenas um dos maiores antropólogos da atualidade, é também uma pessoa que dedicou mais da metade de sua vida a causa e questões indígenas, principalmente e quase exclusivamente dos Canela, acho que o mesmo merecia mais respeito frente a população de Barra do Corda, deveríamos deixar de lado o show e procurar desenvolver sua estadia em Barra do Corda como algo particular para incentivar ações intelectuais e não só apenas dizer que temos uma pessoa de fora na cidade.

William H. Crocker é bem mais do que uma celebridade, ele esteve em contato com importantes intelectuais brasileiros, como por exemplo, Berta Ribeiro, Darcy Ribeiro e outros também como o próprio Claude Lévi-Strauss. Com esse último podemos falar sobre a Escola Estruturalista e a critica de Crocker frente a essa escola com a formulação do que o mesmo chama de Estruturalismo Êmico.

Dessa forma, fico triste em saber que minimizamos a estadia de tal pessoa na cidade deixando de lado a importância intelectual que esse individuo tem no meio antropológico e apenas valorizam sua situação naquele momento.

No ano de 1956 houve a construção de uma ponte no sertão centroeste maranhense a qual trouxe modificações no modo de vida do sertanejo da região, com a chegada de novos material de consumo que transformaram a estrutura econômica daqueles moradores e diferenciaram assim o modo de vida dos Canela para os Sertanejos. Crocker chegou um ano depois e percebeu a diferença econômica que estava se estabelecendo entre esses dois seguimentos da região, e que Nimuendajú havia citado.

Nos anos 1920-1950 quase não havia diferenças econômicas entre indígenas e não indígenas, a mesma só passou a acontecer depois da construção da ponte sobre o rio Alpercatas e a possibilidade e viabilidade de consumo de novas mercadorias anteriormente apenas conseguidas nas cidades próximas.

Crocker passou toda a década de 1960 estando entre os Canela, estava em 1963 durante o movimento messiânico, já citado aqui nesse blog, adentrou a década de 1970 e se ausentou na década de 1980 retornando apenas na década de 1990, lançando um livro que compreende e faz uma cronologia dos Canela desde o século XIX, me 1994 lança outro livro sobre sexo e rituais, e em 2004 relança o mesmo livro sobre sexo e ritual.

Em 2009 perde um grande amigo de pesquisa e talvez seu maior ajudante e informante em Campo, o senhor Raimundo Roberto Kaapêl-tuk, chefe tradicional dos Canela e conhecedor sem igual da mitologia Ramkokamekrá (Timbira). Desse senhor sinto saudades em especial também pelas tardes e noites que o mesmo passou me falando e escrevendo sobre os mitos tradicionais Canela e lendas dos tempos antigos Canelas, quando os mesmos estavam em épocas de Guerras entre grupos timbira e não timbira.

Estive em contato como ajudante de pesquisa e aluno do Professor Crocker por mais de oito anos consecutivos e nunca estive com uma pessoa tão extraordinária como ele em se tratando do conhecimento sobre os Canela e seus modus de viver.

Em 2005, realizamos uma pesquisa sobre arqueologia timbira, abordando os Ramkokamekrá e os Apanjekrá, Crocker desenhou para mim, como forma de ajudar meu percurso em campo dois mapas das antigas taperas canela na região, a mais velha das taperas datava do inicio do século XIX, e ainda tinha como chefe o índio capiekrã Tempé, bem na região hoje conhecida como Sítio dos Arrudas, índio citado por Francisco de Paula Ribeiro em seu livro Memórias do Sertão Maranhense.

Fico extremamente lisonjeado de ter sido aluno e aprendiz do Professor e Doutor Crocker e ter vivido com ele em campo por varias vezes, hoje sou o cientista social que sou devo quase tudo a ele, a DEUS, meu pai e minha família.

Caro Professor, mando uma mensagem aqui ao senhor, lhe agradeço por tudo e peço desculpa por meus conterrâneos de cidade não compreenderem sua importância real e inimaginável.

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