sábado, 5 de fevereiro de 2011

Messianismo Canela e o mito de Awkhê


Em minha monografia publica em Outubro de 2006, como ponto principal e requisitado para minha saída do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), falei sobre o movimento messiânico Ramkokamekrá-Canela de 1963.
Tal messianismo teve suas raízes estruturadas no mito de Awkhê, também aqui publicado em nosso Blog (WWW.indiosdomaranhao.blogspot.com). Nesse mito, os Canelas (mito comum entre os povos Timbira) justificam a situação de domínio da sociedade envolvente (Cupê) sobre as sociedades indígenas através das relações que esses indivíduos têm com Awkhê, herói cultural dos Timbira.
Lendo o artigo de Manuela Carneiro da Cunha, publicado em seu livro Cultura com Aspas (2009), revivi o sentimento de euforia de que o pesquisador tem quando se encontra em campo e vive uma situação de esclarecimento sobre algo que é seu objeto de estudo principal (refiro-me a nossa pesquisa).
Estudei e pesquisei sobre movimentos messiânicos por mais de quatro anos (e ainda hoje continuo a pesquisar), dando ênfase e tendo como objeto principal o messianismo Canela-Ramkokamekrá. Um dos meus principais questionamentos depois de algum tempo de pesquisa foi o por quê de tantos movimentos e tentativas de movimentos ocorridos entre os Canelas?
Tal assunto foi meu combustível de continuidade nas pesquisas e também discussões com outros antropólogos que se valem das mesmas interrogações e que também se encontram em vias de estudos e pesquisas sobre messianismo, mitologia, movimentos messiânicos e a concepção do imaginário indígena a esses temas.

As teorias messiânicas dos Canela, sem esquecer que tal tema não é exclusividade dos Canela-Ramkokamekrá, tem presença marcante também entre os Krahô e Ticunas, ambos registrados por autores como Melatti (1972) e outros, destacando o artigo publicado pela Professora Emérita da Universidade de Chicago e autora de Cultura com Aspas e outros Ensaios (2009), e na Revista de História da Biblioteca Nacional (ANO 06, Nº 63, de Dezembro de 2010, paginas. 33-34), com o artigo intitulado de O Mundo aos pés dos Índios – Uma profecia que circulou entre os índios canelas em 1963 anunciava que os brancos seriam destituídos de seus privilégios em favor dos índios:

01/12/2010

O mundo aos pés dos índios Uma profecia que circulou entre os índios canelas em 1963 anunciava que os brancos seriam destituídos de seus privilégios em favor dos índios Manuela Carneiro da Cunha http://www.revistadehistoria.com.br/v2/images/nada.gif
Em 1963, um movimento messiânico agitou os índios Ramkokamekra Canela do Maranhão. Uma mulher grávida profetizou que a relação de desigualdade entre índios e brancos iria se inverter: quando nascesse sua filha, os brancos iriam caçar nas matas e os índios teriam fazendas e aviões. Organiza-se um culto a essa filha que vai nascer, e que desde o ventre de sua mãe já fala e anuncia o que virá. O parto de um menino natimorto, embora contrarie o que foi previsto, encontra explicação, e o movimento continua. Mas fazendeiros vizinhos, irritados com o abate de gado pelos índios, organizam um assalto aos canelas, queimam a aldeia e matam quatro índios, apesar das garantias de invulnerabilidade dadas pela profetisa. O movimento messiânico se esfacela, e o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) desloca temporariamente os canelas para a reserva dos Guajajara.

Esses eventos foram publicados pelo antropólogo americano Bill Crocker e posteriormente analisados por mim em um artigo de 1973, recentemente republicado no livro Cultura com Aspas, da Cosac Naify. Como o artigo é de longa e árdua leitura, vale a pena resumi-lo em poucas palavras e explicitar-lhe a moral.

A análise que então fiz põe em evidência que a profecia de 1963 se assenta, mas inverte a estrutura de um mito clássico entre vários grupos indígenas de língua jê, o mito de Aukê. Esse mito explica a origem da desigualdade entre índios e brancos. Aukê seria um índio que, queimado, teria se transformado no primeiro branco, D. Pedro II (1825-1891) em algumas versões – em todo caso, um fazendeiro benigno. Quando ofereceu aos índios a escolha entre o arco e a espingarda, entre a cuia e o prato, os índios fizeram uma má escolha e ficaram com o arco e a cuia. É por isso que os brancos detêm todo o poder e a riqueza. O movimento messiânico Canela de 1963, ao inverter estruturalmente o mito de origem do homem branco e de seus privilégios, podia assim anunciar um mundo em que as relações de poder também se inverteriam. (...)
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=3434


Tanto no artigo que consta no livro Cultura com Aspas (2009), como no artigo da revista, Manuela Carneiro da Cunha sintetiza o que foi o messianismo de 1963 para os Canela interligando o mesmo com as versões do mito de Awkhê, descrevendo trechos estruturais usando outros mitos que “ajudaram” a ressignificar o movimento messiânico Canela e suas varias tentativas posteriores a 1963.
Levando em consideração minha leitura e interpretação do artigo da Carneiro da Cunha (2009), a mesma trata o assunto colocando a “mulher” em um estado de liminaridade, o que realmente sentimos quando estamos em processo de pesquisa de campo dentro do assunto dos movimentos messiânicos Canela, como em outras questões observadas.
Em minha monografia e em minhas pesquisas de campo, destaquei também tal situação e coloquei a mulher, tanto a mãe de Awkhê, como Maria Castelo Kee-kwëi (Profetisa do movimento messiânico de 1963), como indivíduos em estado liminar entre o ‘estado de sociedade e o estado da natureza’, tendo como ajuda em meus esclarecimentos o trabalho de Maria Elisa Ladeira (1982) sobre a situação da mulher entre as sociedades Timbira.
Nos outros movimentos messiânicos Canela, e mesmo nas tentativas de messianismo, encontramos elementos mitológicos variados, variações do mito de Awkhê, considerando que as mesmas estavam carregadas de elementos bíblicos judaico-cristão, católicos, protestantes e mesmo elementos de um catolicismo popular, com rituais sincréticos católicos africanos.
Os anos em que outros movimentos foram colocados em prática e mesmo as tentativas de movimentos messiânicos (1984, 1988, 1993, 1999), têm por necessidades para acontecer épocas ou eventos ligados a situações de prosperidade ou dificuldades econômicas, sociais, ou outras formas de percepção do mundo envolta, nesse caso não apenas da cosmologia Canela (Timbira), mais também da cosmologia Cupê (Branco), considerando que Awkhê é um Ser vivente nos dois universos.
Entre os Canela, o exemplo seria os anos de 1984-1993, quando projetos assistencialistas estavam sendo executados na TI Kanela vindos tanto do próprio Brasil como de instituições estrangeiras, causando maior interesse e aguçando ainda mais o imaginário Canela (Kowaski, 2008), tais ações foram incentivos para inicialização de varias tentativas de messianismo, como também de movimentos messiânicos.
A descrição etnográfica do movimento messiânico de 1963 Canela foi feita por William H. Crocker (1967), considerando que esse pesquisador esteve em campo naquele ano, logo depois da chegada dos Canela na Aldeia Sardinha (Guajajara-Tetehar), ainda sentindo os ecos do messianismo.
Crocker em entrevista a nós descreveu alguns fatos referentes aquele momento, afirmando que mesmo depois do isolamento da líder messiânica (Maria Castelo Kee-kwei) a mesma ainda sustentava que estava sendo ajudada por Awkhê e sua irmã e que o caminhão que estava transportando os Canela foi fornecido por Krää-Kwei e Awkhê.
Crocker (2009), também faz apontamentos sobre o messianismo de 1963 ter tido raízes não só em questões mitológicas e socioeconômicas, mais também em questões referentes à fricção interetnicas (Cardoso de Oliveira, 1973), e tal teoria também é descrita e reafirmada por mim (Silva Junior, 2006) em minha monografia, quando nos referimos a questões como a permanência de Nimuendajú entre os canela, agentes externos do SPI, aproximação cada vez maior dos sertanejos no território Canela, além de outras questões que citamos em nosso trabalho de 2006.
Dessa forma, podemos descrever também que o imaginário mitológico referente à figura de Awkhê perpassa a figura de Dom Pedro II (1825-1891), entre os Canela, por exemplo, ela têm figurações em Pedro Álvares Cabral, Deodoro da Fonseca, Getulio Vargas, Marechal Candido Rondon, entre outros.
Os Canela também afirmam atualmente que o pesquisador Curt Nimuendajú era enviado pelo Awkhê, também visto como financiador de Curt Unkel Nimuendajú, para verificar como seu povo estava vivendo.
Boa parte dessas questões estão expostas e analisadas nos artigos de Crocker (1967) e Carneiro da Cunha (2009), e os mesmos são complementares no que se refere à etnografia (realizada por Crocker) e analise estrutural (realizada por Carneiro da Cunha).
Pequei consideravelmente em 2006 quando não usei Carneiro da Cunha (1973) em minha monografia. Hoje realizando uma revisão de minha pesquisa, escritos e na própria monografia, vejo a necessidade de introduzir tal artigo em nossa bibliografia, considerando que o mesmo complementa minha visão e estudo dos messianismos Canela e das versões do Mito de Awkhê.
Partimos do pressuposto de que iremos publicar tal monografia como livro e divulgar a mesma de forma mais estendida, propagando assim nossa visão frente à importância histórica e cultural dos índios Canela-Ramkokamekrá para os povos indígenas e não indígena frente as formas de messianismo vigentes no Brasil, estamos estendendo nossas pesquisas, sistematização de materiais e gravações visando uma republicação de nossa monografia para tão logo pudermos e quando for mais oportuno. 
As formas de messianismo Canela são de extrema importância tanto para a Etnologia Indígena Brasileira, como também para a história do nosso Maranhão, quando em grande parte, falamos apenas do Massacre do Alto Alegre (1901), esquecemos de falar do Massacre que os Canelas sofreram e ficou guardado apenas em algumas memórias. 
Parabenizo, William Crocker, por sua dedicação a tal assunto, e sua vinda urgente aos Canelas quando soube do ocorrido. Parabenizo Manuela Carneiro da Cunha por sua excelente performance no artigo relançado em 2009 e parabenizamos principalmente os Canelas por se manterem firmes como povo autônomo que são, acho que chegou o momento de desenvolvermos o pensamento sobre O Ser Canela (Ribeiro, 2009).

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