quinta-feira, 27 de maio de 2010

A CASA ESTÁ QUEIMANDO OU QUEIMOU?


Alguns amigos, conhecidos, curiosos e interessados às vezes param-me nas ruas de Barra do Corda, Grajaú e até mesmo em São Luis e perguntam sobre a ampliação da TI Kanela-Buriti Velho e TI Porquinhos, ambas em fases distintas de “correção” de seus limites. Indagam se as mesmas serão realmente ampliadas (termo usado pelos indivíduos que perguntam), respondo de imediato que não sei sobre tais processos, que não tenho acesso a tais informações e que não tenho conhecimento de pessoas que saibam.
Certo dia, um amigo me contou uma “história”, pensava em comprar umas terras na região de Grajaú e Barra do Corda no ano de 2004 e achou estranho o modo como a referida terra lhe foi apresentada, muito no sigilo e cheia de “pissiu e silêncio”, quando veio à FUNAI de Barra do Corda, foi recebido pelo Chefe de NAL Kanela na época, e o mesmo lhe descreveu a situação da seguinte forma:
“Meu senhor, sabe uma casa que esta queimando? Aquela terra (referindo-se a TI Porquinhos), não está queimando, já queimou faz tempo!”
Quando as pessoas me perguntam sobre tal assunto, relato apenas essa passagem, claro sem citar nomes, falando apenas sobre o milagre e não dando nome ao santo, não por questão de medo, mais sim de privacidade para essas pessoas. O que quero tratar nesse nosso texto da semana é a indagação sobre a legitimidade das referidas terras em estudo e como tais questões são tratadas atualmente. Os índios Canelas têm direitos nessas Terras?
As primeiras respostas que podemos obter são de que, os não-índios estão também naquela região há vários anos e também são donos legítimos daquelas terras. Também podemos ouvir que; para que tanta terra para apenas 4.000 índios Canelas somando entre Canelas e Apaniekrá. Também podem falar da convivência harmoniosa entre índios e não-índios na região, como os canelas estudam em escolas de brancos, e vários outros argumentos que na verdade só mostram as reais necessidades que esses indígenas tem frente a região que vivem atualmente.
Um dos argumentos mais citados e que costumo dizer que é o mais fácil de ser refutado é o de “muita terra para pouco índio!”. Se fosse conselheiro desses advogados nessas questões, nunca que usaria tais termos em juízo, ou tribunais. A lógica da terra indígena não é apenas para plantio como o não índio pensa e imagina. A terra é usada pelos mesmos para os motivos que aprendemos em nossos primeiros anos de escola: para plantio, caça, pesca, perambulação, conservação da natureza e varias outras formas de manejo que passaríamos o dia inteiro explicando aqui.
Outro argumento fácil de ser refutado e que não me daria ao luxo de citar nos processos é sobre a legitimidade histórica de quem chegou primeiro naquela região do Sertão. Li em algum lugar que se caso fossemos seguir o raciocínio da legitimidade histórica, não haveria local apropriado para descendentes de portugueses, italianos, franceses, espanhóis, judeus e nenhum outro povos que não fosse índios em terras brasileiras, todos os outros estariam sem terras, indo por água a baixo o mito das três raças e da nação miscigenada que é o Brasil. Tal questão não é apenas de quem chegou primeiro, mas sim da importância histórica, social e econômica que tais e tais locais têm em relação a determinado povo. Para os Canelas, tais provas são muito fáceis de conseguir mesmo sendo quase impossível realizar pesquisas arqueológicas entre povos Timbira.
Poderíamos refutar todos os argumentos citados aqui contra a correção dessas TIs, que como foi dito por outros a cima, é uma casa que já pegou fogo, mesmo que para a ocupação dessas casas perpetue 10,20 anos, tais fatos irão ocorrer mais cedo o mais tarde. O que se deve ser feito por nosso governo e governantes, é saber como agir durante tais processos para evitar que os não-índios não saiam com uma mão na frente e outra atrás, cuidar dessas pessoas, coloca-las em locais que sejam realmente produtivos economicamente e que venham a melhorar o desenvolvimento rural dos mesmos, causando um boom em suas economias, saúde, cultura e em seus mecanismos sociais individuais e coletivos. 
Não pretendemos aqui realizar uma defesa ou acusação do caso, nem expor nossa opinião, contra ou a favor, mais sim expor que a situação é mais profunda e complicada do que se possa imaginar, não se trata apenas de questões agrárias ou antropológicas, mais sim de sobrevivência de povos. Como sou “filho” da cidade e da região (uso aqui minha suposta identidade cultural), não estou apto para falar sobre tal assunto sem ser tendencioso, considerando que sou filho de funcionário da FUNAI, sou antropólogo, trabalho com povos indígenas e não-indígenas, não posso ter lado, somente torcer para que dessa casa saiam todos sem queimaduras.

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